Choram

São declarados “felizes” os “infelizes”, que paradoxo. Claramente percebemos que essa pessoa é caracteriazada pela sua diferença do mundo, pois o mesmo ridiculariza esse ensino. Loyd Jones disse que o que o mundo mais procura evitar é a necessidade de chorar. Toda a sua organização estriba=se sobre a suposição que chorar é algo que deve ser evitado. A filosofia do mundo estipula o seguinte: Esqueça-se das suas dificuldades, volte as costas para elas e faça tudo quanto estiver ao seu alcance apara não ter de enfrentá-las. A organização da vida, em todos os seus aspectos, a mania pelos prazeres, a busca pelo dinheiro, a energia e o entusiasmo despeidos na tentativa de entreter as pessoas, são apenas energia e o entusiasmo despendidos na tentativa de entreter as pessoas, são apenas outras tantas expressões do grande alvo do mundo, isto é, evitar essa ideia da necessidade de chorar, essa atitude de quem se lamenta.

No texto paralelo de Lucas 6 o Senhor Jesus empregou esse texto de forma negativa: “ai de vós, os que agora rides! Porque haveis de lamentar e chorar”, por outra parte oferece bênção, felicidade, alegria e paz àqueles que choram.

Mas que espécie de tristeza é essa que faz com que quem seja assim acabe sendo declarado por como “bem-aventurado” por Jesus?

Quem são os chorões (os que choram)?

Parecem claro pelo contexto que os que choram não são os que choram a perda de um ente querido, ou de um bem de valor, mas se refere àqueles que perderam a sua inocência, sua justiça. Jesus não está aqui se referindo à tristeza do luto, da perda material, mas da tristeza do arrependimento. É uma virtude espiritual!

O choro do homem declarado feliz por Deus está diretamente ligado à primeira bem-aventurança. Ele primeiro reconhece sua falência espiritual e depois chora por causa dos seus pecados. Uma coisa é ser espiritualmente pobre e reconhecê-lo; outra é entristecer-se e chorar por causa disto. Numa linguagem mais teológica Stott (p.30) chama essa diferença de confissão e contrição, são duas coisas muito diferentes.

O salmo 16.11 afirma que na presença do Senhor há “plenitude de alegria”, mas diante da presença do Senhor também há lágrimas! Eis duas atitudes de homens cheios do Espírito de Deus: eles se alegram por conhecer o Senhor e desfrutar da comunhão com Ele e eles choram por se deparar com os seus próprios pecados. Diante de um Deus Santo todos se prostram com lágrimas nos olhos contristados pelas suas ações e omissões pecaminosas. Nem sempre estamos animados e bonitos e na verdade não precisamos estar. Achar que todos os cristãos precisam estampar perpetuamente um sorriso exulberante no rosto é uma atitude antibíblica. Em nenhuma página do Novo Testamento nós vemos o Senhor Jesus rindo ou dando gargalhadas, mas vemo-lo chorando.  “A verdade é que existem lágrimas cristãs e são poucos os que as vertem!” [1]

O choro não está em evidência na igreja moderna como sucedia no passado. Loyd Jones atribui isso a três fatores:

1.      Reação contra o (falso) puritanismo – Com frenquencia, diz ele, essa atitude manifestava-se sob a forma de uma piedade fingida. Não era uma piedade natural; não procedia do íntimo; pelo contrário, as pessoas afetavam e assumiam uma aparência de piedade. Quase chegava-se a dar impressão de que ser religioso era ser mísero; voltava-se as costas para muitas coisas que são perfeitamente naturais e legítimas;

2.      A ideia de que se quisermos atrair aqueles que ainda não são crentes, então devemos ostentar deliberadamente uma aparência de vivacidade e alegria. Não querem ser o sal da terra, mas o mel da terra. Querem ser agradáveis aos homens e não confrontá-los com os seus pecados.

3.      Defeituoso senso de pecado e de sua doutrina. Não há aquela real e profunda convicção de pecado conforme se via antigamente. Isso acaba afetando a vida da igreja e o seu evangelismo. As igrejas oferecem a alegria do céu sem primeiramente exigir o choro pelo pecado. “Precisamos ser humildes de espíritos, antes de começarmos a ser cheios do Espírito Santo. O negativo precede o positivo. E temos aqui novamente, um outro exemplo precisamente do mesmo fenômeno – é necessário que a convicção de pecado anteceda a conversão, pois o real senso do pecado precisa manifestar-se antes que haja real alegria na salvação. Ora, isso faz parte da essência mesma do Evangelho”[2]

As pessoas precisam ser convencidas do pecado antes que possam experimentar a alegria.

Exemplos positivos e negativos na Bíblia:

Exemplo negativo: A igreja de Corinto.

1 Geralmente, se ouve que há entre vós imoralidade e imoralidade tal, como nem mesmo entre os gentios, isto é, haver quem se atreva a possuir a mulher de seu próprio pai. 2 E, contudo, andais vós ensoberbecidos e não chegastes a lamentar, para que fosse tirado do vosso meio quem tamanho ultraje praticou? 3 Eu, na verdade, ainda que ausente em pessoa, mas presente em espírito, já sentenciei, como se estivesse presente, que o autor de tal infâmia seja, 4 em nome do Senhor Jesus, reunidos vós e o meu espírito, com o poder de Jesus, nosso Senhor, 5 entregue a Satanás para a destruição da carne, a fim de que o espírito seja salvo no Dia do Senhor [Jesus]. 6 Não é boa a vossa jactância. Não sabeis que um pouco de fermento leveda a massa toda? 7 Lançai fora o velho fermento, para que sejais nova massa, como sois, de fato, sem fermento. Pois também Cristo, nosso Cordeiro pascal, foi imolado. 8 Por isso, celebremos a festa não com o velho fermento, nem com o fermento da maldade e da malícia, e sim com os asmos da sinceridade e da verdade.

9 Já em carta vos escrevi que não vos associásseis com os impuros; 10 refiro-me, com isto, não propriamente aos impuros deste mundo, ou aos avarentos, ou roubadores, ou idólatras; pois, neste caso, teríeis de sair do mundo. 11 Mas, agora, vos escrevo que não vos associeis com alguém que, dizendo-se irmão, for impuro, ou avarento, ou idólatra, ou maldizente, ou beberrão, ou roubador; com esse tal, nem ainda comais. 12 Pois com que direito haveria eu de julgar os de fora? Não julgais vós os de dentro? 13 Os de fora, porém, Deus os julgará. Expulsai, pois, de entre vós o malfeitor.

Que tristeza é olhar para uma igreja que acolhe o pecado e não chega sequer a lamentar, mas se vangloria por manter o pecador no meio dela! Esses cristãos andavam ensoberbecidos e não chegaram a lamentar, provavelmente devido a uma falsa compreensão da doutrina da graça. A graça não nos autoriza a pecarmos, pois como viveremos no pecado nós que para o pecado morremos (Rm 6.2)? A graça além de nos salvar também nos educa a abandonarmos a impiedade e as paixões mundanas para vivermos no presente século de forma sensata, justa e piedosa (Tt 2.11-14).

Paulo tinha a preocupação de retornar a igreja e acabar chorando pelos pecadores impenitentes que não chegaram a se arrepender pelos pecados.

Receio que, indo outra vez, o meu Deus me humilhe no meio de vós, e eu venha a chorar por muitos que, outrora, pecaram e não se arrependeram da impureza prostituição e lascívia que cometeram (2Co 12.31)

Exemplos positivos:

O Senhor Jesus é sempre o nosso melhor modelo! Ser declarado bem-aventurado é ser como Jesus era. Ele no seu ministério terreno foi humilde de espírito e chorou. Jesus chorou! Chorou pelos pecados dos outros e pelas cidades impenitentes que sofreriam o juízo e a morte. Jesus chorou diante do túmulo de Lazaro, não porque Lázaro havia morrido, pois Jesus sabia que o ressuscitaria, mas chorou por ver aquela coisa horrenda, feia e imunda denominada pecado, a qual invadiu nossas vidas e introduziu na vida a própria morte, perturbando e infelicitando a vida. Jesus chorou diante disso e gemeu em Seu espírito. Ao contemplar a cidade de Jerusalém, que O havia repelido, tornando-se assim passível de condenação, Jesus chorou!

Os salmistas fizeram lindos poemas expressando a dor por causa dos pecados dos outros. “Torrentes de águas nascem dos meus olhos, porque os homens não guardam a tua lei”(Sl 119. 136).

O apóstolo Paulo também chorou por causa dos falsos mestres que perturbavam as igrejas do seu tempo: “Pois muitos andam entre nós... e agora vos digo até chorando, que são inimigos da cruz de Cristo” (Fp 3.18).

Muitos outros homens choraram pelos seus próprios pecados. Será que nossos pecados nunca nos entristeceram? Será errado chorar diante de Deus e nos humilharmos sob a poderosa mão do Senhor? John Stott citando esse trecho cita a declaração de Thomas Cranmer num culto comemorando a ceia do Senhor em 1662: “Reconhecemos e lamentamos nosso múltiplos pecados e maldades”[3].

Esdras chorou diante da casa de Deus (Ed 10.1), Paulo declarou que era um homem desventurado preso a um corpo de morte (Rm 7.24). David Brainerd escreveu em seu diário em 18 de outubro de 1740: “Em minhas devoções matinais minha alma desfez-se em lágrimas, e chorou amargamente por causa da minha extrema maldade e vileza”[4].

Quantos cristãos existem que ainda choram pelos pecados dos outros e pelos seus próprios pecados? Quanta “tristeza segundo Deus” (2Co 7.10) temos experimentado no nosso tempo?

Qual a bênção que eles recebem?

“... serão consolados”. As pessoas que são miseráveis e totalmente dependentes de Deus e são sensíveis ao pecado, principalmente aos seus próprios, serão consolados já no presente pelo único consolo que pode aliviar, o perdão dos pecados e a salvação (cf. Is 40.1-2).

            O homem feliz é o que chora, pois o que chora por causa do seu estado e condição pecaminosa é o homem que haverá de arrepender-se; e, na verdade já começou a arrepender-se.

Somente aquele que clama: “desventurado homem que sou! Quem me livrará...?” pode prosseguir para então dizer: “Graças a Deus por Jesus Cristo nosso Senhor”, e dizer: “Agora, pois, nenhuma condenação há para os que estão em Cristo Jesus” (Rm 8.1).

Apesar de pecar e sentir tristeza pelo meu pecado e lamentar por isso, sei que meus pecados foram totalmente perdoados e toda a minha dívida foi removida e encravada na cruz de Cristo. Não só meus pecados foram perdoados, mas a Sua justiça também me foi imputada. Logo, Cristo morreu pelos meus pecados do passado, do presente e do futuro. Tenho consolo pelo perdão do presente, pelas intercessões do Filho por mim constantemente e pela “bendita esperança” da vida eterna quando finalmente serei totalmente livre da presença do pecado na minha vida.

O consolo da igreja repousa nessa verdade: Cristo me perdoa no presente e tem algo glorioso esperado para aqueles que nele creem. Paulo disse que aguardava “a adoção de filho, a redenção do seu corpo” e prossegue dizendo: “porque na esperança fomos salvos”, confiando que “os sofrimentos do tempo presente não são para comparar com a glória por vir a ser revelada em nós”.

Loyd Jones disse que “naquele estado eterno seremos total e inteiramente bem-aventurados, nada havendo para nos desfigurar a vida, nada havendo para detratar a nossa vida, nada havendo para estraga-la. Tristeza e suspiros não mais existirão; todas as lágrimas terão sido enxutas; e haveremos de aquecer-nos para sempre sob a luz do sol eterno, experimentando um regozijo e uma ventura e glória sem mistura e sem jaça”.

Quanta verdade há nessa declaração! A menos que saibamos disso, nem crentes somos. Porém, se somos crentes, então temos a certeza dessa realidade, temos a alegria de saber que nossos pecados foram perdoados; temos a satisfação de ter recebido a reconciliação com Deus; temos o júbilo de saber que Deus nos conduzirá até Ele, mesmo que porventura dEle nos desviemos; temos a alegria e a expectação da glória que nos foi proposta; e temos o regozijo que se deriva da antecipação do estado eterno.

Semana passada comecei a ler um livro que trás grandes nomes da Fé Evangélica, dentre os nomes, o de John Huss (1373-1415) me impactou bastante. John Huss chorou e lutou bastante pela transformação da Igreja de seu tempo. Em 1400 foi ordenado ao sacerdócio pela igreja Católica. Devido às suas pregações expositivas, centradas tão somente na Bíblia, Huss foi conquistando a admiração de suas ovelhas, que, a cada dia, passavam a conhecer mais as Escrituras, o que fazia com que os boêmios não participassem das festas das indulgências. Quando os mercadores de indulgencias chegavam eles eram recebidos com críticas pelo povo.

Em 1410, o arcebispo de Praga, ordenou que se queimasse 200 volumes dos escritos de John Huss. Neste ano ele foi excomungado da igreja Romana. Quatro anos mais tarde ele foi intimado a comparecer. Mesmo sabendo dos riscos, resolveu aceitar o convite papal, pois sentia o desejo de defender, perante as autoridade eclesiásticas, suas convicções teológicas. Apesar do próprio imperador lhe ter outorgado um salvo conduto, dando-lhe imunidade absoluta perante as autoridades locais, John Huss foi preso, em total desrespeito as normas internacionais da época.

Em 4 de maio de 1415, o Concílio condenou Wycliffe e ordenou que seu cadáver fosse desenterrado e lançado ao fogo, sentença esta que se renovou ao seu discípulo, com um agravante, John Huss teria que sentir o seu corpo queimar na chama odiosa do “cristianismo” daquela geração. No dia 6 de julho de 1415, ele foi levado para ouvir um sermão sobre as consequências das heresias na Catedral da cidade. Em seguida, teve seus cabelos cortados, e lhe foi posta uma coroa de papel, com alguns demônios estampados, em sua cabeça. Quando o clero exigiu que se retratasse, Huss se defendeu dizendo: “Estou preparado para morrer pela verdade do Evangelho que ensinei”. Huss enfrentou o fogo e o venceu. Seu corpo queimou, mas sua alma foi recebida jubilosa nos céus. Enfrentou a morte com coragem por causa da sua fé, do seu ideal e do seu amor por Deus. Ele não se deixou levar pela tranquilidade da acomodação. Foi lançado ao fogo, mas a fumaça do seu corpo em chama nos inspira a sermos melhores cristãos, apegados fielmente aos princípios norteadores da doutrina bíblica pura e imaculada e a olharmos a vida pela perspectiva de Deus. Ele recebeu o pleno consolo que o Pai pode dar.

Implicações para a família cristã:

1.      Um casal que chora pelo pecado, abomina o pecado e o evita de todas as formas. (Ele não brinca com pornografia, nem compromete o dinheiro da família em dívidas e jogatina. Ela não dá brecha para envolvimento emocional e físico com outro homem que não seja seu marido).

2.      O casal compreende o perdão de Deus não deixando com que os fracassos do passado impeçam as bênçãos do futuro. (Remorso, culpa, medo, etc.) Ilustração – descobrir o pecado do pastor.

3.      É sensível ao seu pecado e arrepende-se com facilidade.

4.      Ela é esperançosa na manifestação do Filho de Deus quando finalmente será revestida da sua habitação celestial e se verá livre da natureza pecaminosa.

5.      Por possuir o Espírito Consolador, essa família abraça o ministério da consolação (1Ts 4.18; 1Ts 5.14). Ela não faz pouco caso do pecado, mas além de entender a doutrina do pecado ela também entende a doutrina do perdão.



[1] Stott, p.30.

[2] Jones, p.50

[3] Stott, p.31.

[4] Stott, p.31.